Hoje podia escrever sobre o quão gosto do meu filho, tentar descrevê-lo mesmo sabendo da impossibilidade da tarefa. Podia também falar da aventura que tive com a minha sobrinha, e do bonito passeio que demos por um caminho sujo de alcatrão partido e carros constipados e barulhentos e sufocantes.
Podia escrever sobre as saudades que tenho da família que não tenho cá. Ou simplesmente escrever sobre a saudade.
Podia escrever sobre os meus amigos.
Podia escrever sobre o tempo, ou sobre o atraso do Verão e do calor.
Podia escrever sobre as pérolas pretas que são os olhos da minha mulher, e sobre como hoje, assim como no primeiro dia, estou inexoravelmente preso a elas.
Podia escrever e tentar descrever as coisas que me apoquentam, os sentimentos que me alentam, as divagações pseudointelectuais que me sustentam.
Podia falar sobre o mundial e o futebol que, no fundo no fundo, não nos interessam.
Podia escrever sobre a minha profissão e sobre os sustos que já apanhei; sobre a calma antes da tempestade e sobre a bonança. Ah! A bonança!
Podia escrever sobre a inconsequência na nossa existência. Ou sobre a loucura. Podia definitivamente escrever sobre a loucura.
Podia aprofundar ainda mais o teor filosófico do nosso caminho pela Terra e divagar sobre a metafísica ou sobre a espiritualidade que, a cada dia que passa, me parece mais real.
Podia escrever sobre escrever, e sobre como não escrever.
Podia escrever a cometer erros, para variar. Erros grosseiros, para espantar!
Podia escrever e falar e dizer e recordar um olhar que me falta há demasiados anos. Já o fiz uma ou três vezes e espalhei-me ao comprido, tolo de pensar que tudo tem descrição, e que a beleza de uma pessoa pode ser transcrita para uma folha de papel. Podia voltar às ondas que rebentam no oceano da memória.
Podia escrever sobre memórias.
Podia escrever sobre a série que estou a ver agora, que já devia ter visto, e da qual estou a gostar muito (vejo-a nos intervalos de olhar para as pérolas pretas, aquelas da minha mulher, que se senta a meu lado para também ver a série, de que ela também gosta).
Podia escrever sobre parênteses grandes e pequenos, e sobre o motivo de usar tantos parênteses, ou da sua importância num discurso bem conseguido.
Podia falar sobre o que significa um discurso ser bem conseguido, mas não conseguiria discursar sobre como chegar a fazê-lo como deve ser feito.
Podia escrever até me doerem os dedos, e os olhos.
Podia escrever sobre tanta coisa e fazê-lo, inclusivamente, de seguida. Tipo escrever a correr. A ver como corria.
Podia escrever sobre tudo e sobre nada, como tanto gostava de fazer, quando me davam laivos de pseudónimo.
Podia prosar poeticamente, mas acabei de o fazer e já não quero mais.
Podia escrever, mas hoje não me apetece.
Estou cansado.
Até para a semana!
Imagina se te tivesse apetecido escrever. Neste longo texto escreveste sobre tudo e sobre, sobre a importância das pequenas e a relevancia das grandes coisas. Escreveste sobre pormenores muito importantes que apenas alguns dos teus amigos e a tua família mais próxima percebe. No fundo transmitiste uma linda mensagem que define a tua forma de estar e o modo de agradecer a todos ou apenas a alguns. Bem, não me vou alongar mais. Muito obrigado pelos teus escritos, mas essencialmente por seres o amigo que és. Grande abraço Rui
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