Filho,
Num dia como tantos outros, fomos os dois brincar para o parque, ou para o escorrega, palavra com que designas, no teu delicioso mini-dialecto, o parque na sua totalidade. Não interessa se o parque tem baloiços, paredes de escalada, pontes para atravessar, trampolins, enfim, toda a variedade de distracções que os sítios que passam pelo nome de “parque infantil” costumam ter. Ainda és muito pequenino para preciosismos, e para bom entendedor… um escorrega basta.
Na minha ainda jovem aventura como pai, tenho tentado ser bom entendedor, para que te saiba responder quando começares a formular perguntas com intenção averiguadora, com insaciável curiosidade, mas também para que sintas, como sei que sentes, que podes contar com o pai sempre que quiseres brincar. A disponibilidade física nem sempre é a melhor, pois nós adultos gostamos muito de um substantivo chamado cansaço. Eu não sou excepção, mas basta que essas duas pérolas negras olhem para mim para que toda a energia do mundo, de repente, não pareça suficiente.
Olhas para mim sem te aperceberes que a objectiva te perscruta. Estamos os dois preocupados: eu, com a procura incessante de capturar a tua essência numa fracção de segundo, no fotograma impossível; tu, com o meu olhar. Não queres saber dos devaneios filosóficos ou da teima que o pai tem em ver poesia nas coisas. Queres é brincar e saber que eu estou a olhar para ti enquanto o fazes. É isso que a tua expressão me diz. Mesmo com a tua carinha laroca quase toda tapada, consigo perceber que não estás a posar para a fotografia, mas para mim.
Faltam-me as palavras para expressar a vaidade que sinto ao perceber que procuras a minha atenção.
(Neste momento, é muito provável que a tua mãe já se tenha envinagrado, mas não te preocupes, que as lágrimas nem sempre são de tristeza).
Se por algum momento me distraio, não hesitas em começar a chamar por mim. Papá! Papá! Papá! Que gozo me dá ouvir-te e ver o teu entusiasmo enquanto demonstras as novas habilidades, sempre com a coragem de quem ousa desafiar a monotonia dos dias a brincar. Apesar de nunca teres pedido ou precisado da minha ajuda, tento manter-me sempre por perto, não vá escorregar-te um pezinho.
Mas apesar de ser giro ver-te subir e descer de geringonças, o que mais prazer me dá é ver-te correr. Talvez seja pelo teu jeito característico, pela elegante desordem com que te movimentas, ou simplesmente por saber que a melhor forma de liberdade é a inocência da despreocupação. Trocaria, sem pestanejar, toda a minha experiência pela tua ignorância. A memória é matreira e não me deixa lembrar de como eu era quando vestia palmo e meio de roupa, como tu.
Mas não faz mal. Ver-te correr faz com que me sinta do tamanho do mundo, faz com que a palavra sorrir ganhe novos significados no dicionário, faz com que esqueça a câmara fotográfica, os olhares alheios e até o dói-dói que ainda ontem me impedia de correr, faz com que o meu mundo pule e avance como a bola colorida do Gedeão e faz com que nada mais importe, senão correr contigo.
Extraordinário Texto Amigo!
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Fabuloso papá babado – adorei
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Obrigado!
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Muito bom, adorei! Beijinhos
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Envinagrada, eu. Li algures num comentário que devias escrever um livro em prosa. Não posso estar mais de acordo. Pensa nisso, abre as gavetas e deixa os so called bafamedes apanhar ar!
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Para isso tenho de trabalhar, e já comecei 😉
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